Turismo acessível de fato carece da participação efetiva de profissionais com deficiência em todas as etapas
Publicado em: 25/01/2025
O artigo 42 da Lei Brasileira de inclusão determina que a pessoa com deficiência tem direito à cultura, ao esporte, ao turismo e ao lazer em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Apesar da contínua sub-representação no mercado de trabalho, muitas pessoas com deficiência agora têm renda própria e maior independência, impulsionando também a busca por lazer e, com frequência, o turismo, onde aos poucos vão surgindo oportunidades de trabalho.
Por Sergio Gomes, para o site da Câmara Paulista para Inclusão
Com o passar do tempo e com muitas lutas por direitos das pessoas com deficiência, houve diversos avanços em diferentes áreas, e embora as mudanças estejam aquém do desejado por aqueles que têm deficiência ou necessidades específicas, algumas áreas como o turismo avançaram. Em um passado não muito distante, pessoas com deficiência eram mantidas em suas casas, isoladas da convivência em sociedade e eram também, muitas vezes, isoladas em instituições que eram verdadeiros depósitos humanos.
No Brasil, embora haja avanços, ainda existem desafios significativos no que diz respeito à acessibilidade, inclusão no mercado de trabalho, educação, participação ativa na vida pública e principalmente no acesso de pessoas com deficiência ao mercado e consumo de serviços. Conforme aponta o artigo 42 da Lei Brasileira de inclusão, a pessoa com deficiência tem direito à cultura, ao esporte, ao turismo e ao lazer em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
A progressiva conquista de liberdade e direitos pelas pessoas com deficiência tem aberto portas para sua atuação em diversas áreas. No mercado de trabalho, apesar da contínua sub-representação, muitas agora têm renda própria e maior independência, impulsionando também a busca por lazer e, com frequência, o turismo, onde aos poucos vão surgindo oportunidades de trabalho. O turismo e o lazer proporcionam uma melhor qualidade de vida para as pessoas com deficiência também e aumentam o desenvolvimento pessoal e a autonomia.
O turismo acessível
Turismo acessível é aquele que proporciona condições de acesso e fruição para as pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida e esses recursos de acessibilidade, quando se fala em turismo acessível inclui infraestrutura, prestação de serviços e informações adaptados às mais diferentes deficiências. A lei nº 13.146/2015 (Estatuto das Pessoas com Deficiência) trata de forma explícita, em seu artigo 42, o direito ao lazer, à cultura e ao turismo acessível para as pessoas com deficiência.
Um destino turístico pode combinar cultura, história, belezas naturais e, também, inclusão. Justamente por isso, o turismo inclusivo tem ganhado destaque, oferecendo oportunidades para pessoas com deficiência explorarem o mundo de maneira acessível e significativa. A tendência não beneficia apenas os viajantes, mas também transforma comunidades e setores turísticos, criando uma sociedade mais inclusiva e justa.
A promoção da igualdade de oportunidades para pessoas com deficiência visual, aliada a ações de sustentabilidade e reflorestamento fez a fazenda de café, Toca do Kaynã, empreendimento localizado na zona rural de Santo Antônio do Jardim (SP), a cerca de 200 km da capital, receber a certificação Ouro no 3º Prêmio de Turismo Responsável WTM Latin America, na categoria “Melhores iniciativas para a conservação da natureza”.
“Recebemos turistas para conhecer um pouco da nossa história e ver de perto algumas das inúmeras ações de sustentabilidade que praticamos em nosso dia a dia. Além disso, realizamos um turismo inclusivo, onde fazemos um tour sensorial para pessoas com deficiência visual, em que esses turistas podem vivenciar experiências sensoriais e gastronômicas, com infraestrutura acessível e serviços adaptados, dando oportunidade de inclusão social a eles”, declarou o proprietário da Toca do Kaynã, Jefferson Adorno.
Um mercado rentável e em expansão
Um estudo, da Universidade de Surrey, na Inglaterra, mostra que pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, como idosos e obesos, fazem cerca de 783 milhões de viagens pela União Europeia por ano, contribuindo com um total de 394 bilhões de euros e gerando 8,7 milhões de postos de trabalho. No entanto, os pesquisadores acreditam que essa demanda pode aumentar até 44% ao ano se os destinos na União Europeia forem completamente acessíveis. Outro estudo, feito nos EUA, pela Harris Interactive/Open Doors Organization indica que a expansão das oportunidades de viagens acessíveis levou turistas com deficiência a gastar mais de 17 bilhões de dólares em serviços ligados ao turismo por ano.
No Brasil, de acordo com mapeamento realizado pelo IBGE a maioria dos turistas com deficiência são pessoas com deficiência física, cerca de 34,9%, seguidos por deficiência mental/intelectual e transtorno do espectro autista que representam 12,1% dos turistas com deficiência e ainda no Brasil, mais de metade dos turistas com deficiência, cerca de 53,1% deixaram de viajar para algum destino no Brasil por falta de pontos de acessibilidade.
A Rede Empresarial de Inclusão Social (REIS) aponta que este cenário é reflexo da invisibilização de pessoas com deficiência na sociedade como um todo. “Além do dever ético e social, a inclusão de pessoas com deficiência é fundamental para as empresas acessarem um mercado volumoso e ávido por consumo no setor de turismo. O mapeamento sobre o Perfil do Turista com Deficiência, divulgado pelo Ministério do Turismo no ano passado aponta que 23,39% dos participantes informaram ter renda própria de até um salário mínimo, enquanto 21,30% responderam que possuem renda superior a 6 salários mínimos.”, defende Djalma Scartezini, CEO da REIS.
O primeiro desafio começa quando o consumidor começa a planejar e precisa entrar em contato via site ou ir até uma agência de viagens para escolher o destino e fechar um pacote de viagem. Em seguida vem a falta de infraestrutura acessível, como hotéis, transporte público e pontos turísticos adaptados, além da escassez de informações claras e específicas sobre a acessibilidade dos destinos. Além disso, os serviços de apoio e a falta de treinamento adequado para profissionais do turismo também são fatores que dificultam a inclusão. A pesquisa revelou que 53,5% dos turistas com idade entre 21 a 40 anos e que possuem algum tipo de deficiência deixaram de viajar para algum destino no país por falta de acessibilidade.
“Eu adoro viajar, mas tenho muita dificuldade e não tenho autonomia quando preciso fechar um pacote turístico e fazer uma pesquisa detalhada em relação ao destino antes de viajar. Os sites das agências de viagem não trazem acessibilidade para que possamos escolher um hotel ou um passeio e entender a classificação de cada um deles, por exemplo”, afirma Dinacleia Galdino, analista de dados do Serasa, que possui deficiência visual.
O Programa Turismo Acessível do Governo Federal se constitui em um conjunto de ações para promover a inclusão social e o acesso de pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida à atividade turística, de modo a permitir o alcance e a utilização de serviços, edificações e equipamentos turísticos com segurança e autonomia. Porém, ainda falta investimento principalmente em acessibilidade atitudinal e posteriormente na acessibilidade física. Além de sites adaptados e profissionais especializados na área de acessibilidade, é necessário que haja cada vez mais investimento em infraestrutura com rampas, audioguias, cadeiras anfíbias, garantindo experiências inclusivas para que as pessoas com deficiência tenham acesso e autonomia para escolherem seus destinos e até viajarem sozinhos.
Empreendedor com deficiência de sucesso no mercado de turismo
O turismólogo e empresário Ricardo Shimosakai criou, em 2010, a Turismo Adaptado, empresa voltada ao lazer e turismo com destinos inclusivos para pessoas com deficiência. Um pouco antes da pandemia, ele decidiu ampliar os negócios e passou a atuar também com consultorias e palestras sobre acessibilidade e inclusão.
Em seu site e blog, é possível conhecer um pouco da sua atuação: são mais de 100 mil capacitações em acessibilidade, 280 palestras ministradas, 118 consultorias a empresas e 30 países visitados. “O meu produto é o meu conhecimento, que eu compartilho por meio de consultorias, palestras, cursos, aulas e treinamentos”, afirma.
A história com o lazer e o turismo começou em 2001, quando Ricardo ficou paraplégico. Durante sua reabilitação, ele percebeu que os passeios e as viagens eram seus maiores prazeres: “Era uma coisa para mim, sem pensar em negócios ou qualquer tipo de ajuda para outras pessoas, mas isso acabou interessando alguns amigos, que queriam saber como eu viajava, e foi quando eu vi que não era um desejo só meu”.
As pessoas passaram a se interessar cada vez mais pelo assunto, e isso fez com que Ricardo decidisse estudar turismo e trabalhar com foco na inclusão de pessoas com deficiência. “O turismo é algo bem complexo e envolve muita coisa, desde transporte, os hotéis, os guias, as agências… é um quebra-cabeça. O que eu procurava ver é a questão de destinos acessíveis, porque não adianta você ter só um hotel acessível, por melhor que ele seja. E o restaurante, o transporte e tudo mais? Você deve conseguir sair da sua casa e voltar com o máximo de acessibilidade possível”, pontua o empresário.
Escassez de profissionais
O mercado de turismo acessível conta com oportunidades de trabalho para diversos profissionais, mas Ricardo Shimosakai especialista em acessibilidade e também é pessoa com deficiência e empreendedor chama a atenção para a falta de profissionais capacitados para trabalhar no ramo “Já fui em lugares onde eu comecei a apontar algumas falhas e erros e o gerente falou, mas como a gente chamou um especialista em Acessibilidade aqui e eu falei, olha, esse especialista, acho que ele precisa estudar porque fez coisas que acho que nem o aprendiz faria.”
Ainda segundo Ricardo a visão das empresas sobre acessibilidade também é algo que atrapalha muito na hora de realizar projetos de acessibilidade para locais ligados ao turismo, como os hotéis, restaurantes entre outros: “é a visão equivocada de que a acessibilidade é algo que tem um custo elevado, dá trabalho e não dá retorno”. Essa visão de grande parte dos empresários dos setores de turismo e correlatos afeta a capacitação de profissionais aptos a trabalhar com a acessibilidade, sejam eles pessoas com ou sem deficiência.
Legislação, acessibilidade e o turismo
Os hotéis, por exemplo, devem ser acessíveis, isto está expresso em lei, eles são obrigados a realizar as modificações necessárias para terem uma estrutura de acessibilidade, mas como sabemos as leis nem sempre são cumpridas. Há estabelecimentos que investem em acessibilidade e tornam-se casos de sucesso, como é o caso do Hotel Fazenda Parque dos Sonhos, em Socorro, no interior de São Paulo, que tem uma taxa de ocupação superior à média nacional. Segundo Shimosakai um dos motivos que também influencia nesses números é que pessoas com deficiência costumam viajar acompanhadas por pelo mais uma pessoa.
Ainda sobre a acessibilidade nas estruturas voltadas ao mercado de turismo Ricardo aponta: “Acho que falta um planejamento. O pessoal, como eu falei, é muito para seguir norma e é a norma de edificação, que é ABNT 9050. Acho que eles pensam que isso é a bíblia da acessibilidade, que isso vai resolver tudo. Falam que não é negócio, e você precisa sim, você precisa ter Acessibilidade arquitetônica, mas você precisa ter o que o pessoal chama de tecnologias assistivas, que são equipamentos, acessórios, então pensei no braille pro cego, uma cadeira de transferência para piscina, por exemplo, da questão do atendimento, em como atender uma pessoa com deficiência”. Outro problema comum, segundo Ricardo Shimosakai, é a falta de informações relevantes sobre acessibilidade nos sites dos estabelecimentos.
Oportunidades profissionais no mercado turístico
Há profissionais que trabalham em áreas relacionadas ao turismo e ao lazer, mas que não obrigatoriamente são pessoas com deficiência, mas que fazem, por exemplo audiodescrição e isso inclui a audiodescrição de passeios turísticos, por exemplo, são trabalhos mais pontuais mas que estão dentro do rol de atividades relacionadas ao turismo, lazer e entretenimento. Essas pessoas trabalham como fornecedores de acessibilidade, como, por exemplo, um intérprete de Libras, que pode prestar seus serviços nos mais variados locais, como no atendimento a uma pessoa surda.
Não existe um trabalho ideal para pessoas com deficiência no mercado de turismo, mas as que atuam é importante que exerçam uma função de que gostem e se sentem bem, que respeite suas necessidades e as respeita como pessoa e profissional e que já um local ou um serviço que lhe dê possibilidades de crescimento pessoal e profissional, e essa deveria ser a tônica do trabalho não só para as pessoas com deficiência.
O turismo ainda é um setor pouco explorado e pouco adaptado às pessoas com deficiência e embora, no Brasil, não existam pesquisas ou estudos que dimensionem com mais precisão as potencialidades desse ramo do mercado não há motivos para acreditar que as necessidades das pessoas com deficiência sejam muito diferentes das que vivem no exterior. Lógico que não se pode ignorar as diferenças econômicas entre os países, mas é possível sim, dizer que a acessibilidade ligada ao turismo beneficia não apenas os turistas com deficiência, mas também as pessoas com deficiência que trabalham nesse ramo da economia.
Referências: