País perde vagas, mas cresce emprego para pessoas com deficiência
Publicado em: 22/11/2016
Número de trabalhadores com algum tipo de deficiência subiu 5,75% em 2015; no mesmo período, foram extintos mais de 1,5 milhão de postos formais.
O País vem perdendo postos de trabalho, mas o número de pessoas com deficiência (PCDs) com carteira assinada é cada vez maior. A categoria ganhou 22 mil empregos em 2015 – 5,75% a mais que no ano anterior, mostram os últimos dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Na contramão desse aumento, desapareceram 1,5 milhão de vagas formais no país, incluindo temporários, contratados por CLT e servidores públicos. Mais presentes nas empresas, os portadores de deficiência representavam, ainda assim, apenas 0,84% dos 48,1 milhões do total de vínculos de empregos.
Especialistas consultados pelo G1 afirmaram que uma maior fiscalização ao cumprimento da lei de cotas favoreceu o aumento das contratações. A lei de cotas exige que toda empresa com 100 ou mais empregados preencha 2% a 5% de seu quadro com pessoas com deficiência.
Ricardo Vieira, de 23 anos, foi contratado em janeiro do ano passado pela empresa farmacêutica Galderma. A ausência do antebraço direito nunca foi uma barreira para realizar suas funções como analista de suporte a treinamento, conta o profissional. “Sou cobrado como qualquer outro funcionário. Não existe essa superproteção por causa da minha deficiência”.
A analista de eventos da mesma companhia, Luciana Araújo, de 45 anos, que tem neuropatia periférica, foi contratada em 2003 quando já havia cansado de bater na porta de várias empresas em busca de trabalho. “Eu estava desempregada há mais de um ano e ia todos os dias para o centro da cidade levar meu currículo. Fiz centenas de entrevistas”, conta.
Quando visitou o prédio da Galderma, pensou que seria mais uma tentativa frustrada. Descobriu que havia uma vaga aberta na área de atendimento ao consumidor e se candidatou. Só a chamaram para as entrevistas três meses depois. Quando começou a trabalhar, a empresa adaptou um banheiro de deficientes para a funcionária, que é cadeirante.
A empresa onde Ricardo e Luciana trabalham aumentou em quatro vezes o número de empregados com necessidades especiais nos últimos 10 anos, enquanto o número total de funcionários, cerca de 500, dobrou no mesmo período. A empresa informou que os trabalhadores com necessidades especiais representam 3% da sua equipe.
Fiscalização cresceu
O número de empresas notificadas pelo governo por descumprimento da lei de cotas aumentou quase 40%, segundo um levantamento do MTE feito a pedido do G1. Foram 4.550 autos de infração em 2015, contra 3.277 em 2014. Entre 2010 e 2015, esse número saltou 248%.
A especialista em relações do trabalho Zilmara Alencar explica que esse aumento pode ser resultado de uma força-tarefa que o governo montou recentemente para endurecer a fiscalização nas empresas. A multa por descumprimento da lei equivale ao salário mínimo legal do empregado que não foi contratado, multiplicado pelo número de funcionários da empresa.
Geralmente, as empresas firmam um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) estabelecendo um prazo maior para evitar a penalidade. Em alguns casos, a auditoria pode pedir que o Ministério Público do Trabalho abra uma ação judicial contra a empresa.
Vagas não preenchidas
Segundo o Ministério do Trabalho, a maior parte das empresas que descumprem a lei alega um alto custo para adaptar o ambiente de trabalho e a dificuldade em encontrar profissionais qualificados para preencher as vagas.
A advogada do escritório Mesquita Barros e mestre em direito do trabalho Marcia Regina Pozelli, avalia que essa dificuldade é frequente. “Muitas empresas possuem funções que não comportam a contratação de funcionários com deficiência, como nos ramos de segurança e manutenção de energia”, observa.
Tribunais do trabalho têm livrado da punição empresas que conseguem provar que se esforçaram para cumprir a lei de cotas, mas não conseguiram encontrar pessoas aptas para preencher as vagas, lembra Zilmara.
O país tem um contingente de pessoas com alguma deficiência bem maior que o número de vagas abertas a esse público. Segundo o MTE, havia 827 mil oportunidades em 2014 (dados mais recentes da Rais) para 9,3 milhões de portadores de deficiência entre 15 e 60 anos.
‘Não é falta de lei’
Ricardo, que trabalha na Galderma, acredita que muitas vezes o recrutador acaba preferindo contratar pessoas com deficiências mais leves, ao esbarrar na questão da mobilidade. “Dependendo do grau da deficiência, aumenta o problema de locomoção”, comenta.
Para a analista de eventos Luciana, não é por falta de lei que muitos deficientes não conseguem encontrar emprego formal. “A lei não vai obrigar a empresa a contratar um cadeirante. Portadores de deficiência visual e cadeirantes têm mais dificuldade em encontrar trabalho, muitas vezes porque o custo para adaptar o ambiente é maior”, diz.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu recentemente que o empregador tem poder de escolha na seleção de seus funcionários.
Os deficientes visuais eram maioria entre os PCDS no país, totalizando 7,2 milhões de pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em seguida, pessoas com deficiência física somam 2,6 milhões, auditiva, 2,2 milhões e intelectual, 1,6 milhão.
Zilmara acredita que mudanças no cálculo da lei de cotas poderiam permitir a contratação de mais pessoas e reduzir a dificuldade de preenchimento das vagas. “Uma solução seria aplicar a cota não sobre o total de funcionários da empresa, mas por área de atuação, para evitar divergências”, afirma.