Cúpula Global sobre Deficiência 2025: Um Marco para a Inclusão Global, por José Carlos Carmo, Kal
Histórico da Cúpula Global sobre Deficiência (GDS)
A Cúpula Global sobre Deficiência (Global Disability Summit – GDS) é um dos mais importantes fóruns internacionais dedicados à promoção dos direitos das pessoas com deficiência. Criada em 2017, a GDS surgiu como uma plataforma para catalisar a implementação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) das Nações Unidas e integrar a deficiência à agenda global dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
A primeira edição ocorreu em 2018, em Londres, coorganizada pelo Reino Unido, Quênia e a Aliança Internacional para a Deficiência (IDA). Em 2022, foi realizada de forma híbrida, com sede presencial em Oslo, Noruega. Em 2025, a terceira edição foi sediada em Berlim, Alemanha, fortalecendo ainda mais o compromisso global com a inclusão, acessibilidade e equidade.
GDS 2025: Destaques, Deliberações e Compromissos
Realizada entre 2 e 3 de abril de 2025, em Berlim, a GDS reuniu mais de 4.500 participantes de 100 países. O evento foi organizado pelo Governo da Alemanha, Governo da Jordânia e pela IDA, e gerou mais de 800 novos compromissos assumidos por governos, setor privado, sociedade civil e agências de cooperação.
Um dos resultados mais significativos foi a Declaração Amã-Berlim sobre Inclusão Global da Deficiência, que visa reforçar a cooperação internacional e as ações humanitárias inclusivas. Entre seus principais compromissos, destacam-se:
- Garantia de que todos os programas de desenvolvimento internacional sejam acessíveis e inclusivos às pessoas com deficiência.
- A meta “15% para os 15%”: pelo menos 15% dos programas nacionais devem ter foco na inclusão de pessoas com deficiência, que representam cerca de 15% da população mundial.
A declaração foi endossada por mais de 90 países e organizações internacionais durante a cúpula, e permanece aberta à adesão de novos signatários.
Participação do Governo Brasileiro
O Brasil teve participação destacada na GDS 2025. A delegação oficial, liderada pela secretária nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Anna Paula Feminella, apresentou o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Novo Viver sem Limite, que engloba ações nas áreas de direitos sociais, econômicos e culturais, enfrentamento ao capacitismo e promoção da acessibilidade.
O Brasil também assinou a Declaração Amã-Berlim, reafirmando seu compromisso com a cooperação internacional inclusiva e com políticas públicas acessíveis. Em reuniões bilaterais, a delegação compartilhou experiências brasileiras em educação inclusiva, linguagens acessíveis e enfrentamento a emergências climáticas sob a ótica da deficiência.
Câmara Paulista para a Inclusão: Inclusão Laboral no Centro do Debate Global
A Câmara Paulista para a Inclusão da Pessoa com Deficiência teve presença na GDS 2025, representada por José Carlos do Carmo (Kal), integrante da delegação oficial do governo brasileiro, por indicação do MDHC. A Câmara levou ao evento a experiência brasileira na aplicação da Lei de Cotas, instrumento essencial para a inclusão laboral de pessoas com deficiência.
Além disso, trocou informações com representantes de diferentes países e promoveu articulações com as delegações de Angola e Cabo Verde, visando à criação de um fórum dos países de língua portuguesa para troca de boas práticas em inclusão.
Também representando São Paulo, o Instituto Jô Clemente apresentou seu Projeto de Realidade Virtual, voltado à autonomia de jovens com deficiência intelectual e autismo na mobilidade urbana, com participação de Edward Yang e Deisiana Paes.
Lideranças Internacionais: Vozes que Inspiram Compromissos
Durante o evento, lideranças globais reforçaram a centralidade da inclusão em agendas nacionais e internacionais. A secretária-geral adjunta da ONU, Amina J. Mohammed, destacou que o fortalecimento da sociedade passa pela plena participação das pessoas com deficiência: “Quando desbloqueamos o potencial e reconhecemos talentos, as economias e as comunidades prosperam. Quando avançamos nos direitos humanos, toda a humanidade avança”, afirmou.
Nawaf Kabbara, presidente da Aliança Internacional sobre Deficiência (IDA), alertou para os riscos das políticas inclusivas frente à redução de orçamentos públicos: “Os orçamentos estão encolhendo, a retórica anti-inclusão está crescendo e, mais uma vez, a vida das pessoas com deficiência corre o risco de deixar de ser prioridade”, declarou.
O Rei Abdullah, da Jordânia, enfatizou os perigos enfrentados por pessoas com deficiência em zonas de conflito: “O trabalho pela paz, e paz com justiça, continua vital. A situação em Gaza é um exemplo doloroso. As instalações médicas em Gaza, por exemplo, foram destruídas”, disse.
Encerrando as falas de destaque, o chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, reafirmou o papel central das pessoas com deficiência na formulação de políticas públicas: “São as vozes das pessoas com deficiência, suas experiências e suas aspirações que devem guiar nossas deliberações e decisões aqui em Berlim”.
Perspectivas e Compromissos Futuros
A GDS 2025 reforçou a necessidade de ações concretas e mensuráveis em prol da inclusão. A presença ativa do Brasil e da Câmara Paulista para a Inclusão mostra que o país está disposto a liderar e compartilhar práticas bem-sucedidas com o mundo.
A próxima Cúpula Global sobre Deficiência está prevista para 2028, com sede ainda a ser divulgada. Até lá, os compromissos firmados em Berlim devem orientar políticas públicas, parcerias e investimentos sociais com foco na equidade e no protagonismo das pessoas com deficiência.
NOTA sobre a Declaração a seguir:
NOTA:
Esta é uma tradução livre do conteúdo original em espanhol, francês e inglês, não sendo um documento oficial.
No texto, a expressão “inclusão da deficiência” deve ser compreendida como “inclusão das pessoas com deficiência”, referindo-se ao compromisso global de assegurar que as pessoas com deficiência sejam plenamente incluídas na sociedade em todas as suas dimensões: social, econômica, política e cultural. Essa expressão também envolve a eliminação de barreiras que impedem sua participação ativa e igualitária em todos os aspectos da vida. Assim, sempre que mencionada neste documento, a expressão se refere especificamente à promoção dos direitos e à inclusão social das pessoas com deficiência.
Declaração de Amã-Berlim sobre a Inclusão Global da Deficiência
Nós nos reunimos aqui em Berlim para impulsionar os esforços globais para alcançar a inclusão da deficiência em todo o mundo.
Nós construímos sobre nosso compromisso compartilhado com a realização dos direitos das pessoas com deficiência e com uma abordagem baseada nos direitos humanos para o desenvolvimento inclusivo, que se reflete na ratificação quase universal da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD).
Nós reafirmamos os resultados das Cúpulas Globais sobre a Deficiência anteriores de 2018 e 2022, as pré-cúpulas regionais antes da presente cúpula, bem como as consultas da sociedade civil.
Trabalharemos juntos para avançar o progresso em direção à plena implementação da CDPD, bem como a cooperação internacional para o desenvolvimento inclusivo da deficiência e a ação humanitária.
É à luz do acima exposto que adotamos a presente Declaração como o documento de resultado da Terceira Cúpula Global sobre a Deficiência de 2025 em Berlim.
Nossa Visão para um Mundo Inclusivo
Nós imaginamos um mundo onde todas as pessoas com deficiência, incluindo mulheres e crianças com deficiência, desfrutem de seus direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais, com a eliminação de todas as barreiras que impedem a participação plena e efetiva das pessoas com deficiência na sociedade em igualdade de condições com as demais.
Nós imaginamos um mundo onde a inclusão da deficiência é um elemento fundamental da cooperação internacional, em particular dos programas internacionais de desenvolvimento e da ação humanitária.
Neste mundo, a participação significativa de pessoas com deficiência e suas organizações representativas, incluindo organizações de mulheres com deficiência, é uma realidade vivida no planejamento, concepção, implementação, monitoramento e avaliação de programas.
Enfatizamos o importante papel da cooperação internacional, incluindo a cooperação Sul-Sul, no apoio aos esforços nacionais para realizar o propósito e os objetivos da CDPD, ao mesmo tempo em que destacamos a obrigação de cada Estado parte de cumprir suas obrigações sob a CDPD e de alocar o máximo de recursos domésticos disponíveis para este objetivo.
Reconhecemos que os programas internacionais de desenvolvimento devem acelerar seus esforços para abordar a inclusão da deficiência e para incluir significativamente as Organizações de Pessoas com Deficiência (OPDs).
Reafirmamos a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e seus princípios de não deixar ninguém para trás e alcançar primeiro os mais distantes.
Buscando garantir que os programas humanitários e de desenvolvimento internacional sejam harmonizados com a CDPD e seus Artigos 11 e 32, declaramos o seguinte:
- Nós nos esforçaremos para que todos os nossos programas internacionais de desenvolvimento sejam inclusivos e acessíveis às pessoas com deficiência, contribuindo ativamente para a igualdade inclusiva e plena e para a não discriminação, e para não causar danos.
- Nós nos esforçaremos para garantir que pelo menos 15% dos programas internacionais de desenvolvimento que estão sendo implementados no nível do país busquem a inclusão da deficiência como um objetivo (“15% para os 15%”).
A meta de 15% requer ação conjunta para aumentar os esforços, concentrando os recursos atuais na inclusão da deficiência e dedicando mais recursos para este propósito.
Nós nos esforçaremos para atingir esta meta até 2028, ano em que a quarta e próxima Cúpula Global sobre a Deficiência será realizada.
- Reconhecemos e celebramos o papel das OPDs.
Estamos, portanto, determinados a garantir o engajamento pleno e efetivo das OPDs e sua participação significativa em todos os estágios da cooperação para o desenvolvimento e da ação humanitária.
Enfatizamos a necessidade de um ambiente seguro e favorável para a sociedade civil e todos os defensores dos direitos humanos, em particular as OPDs.
Nós nos esforçaremos para fortalecer a alocação de recursos e as parcerias com as OPDs no contexto da cooperação internacional.
- Nós nos esforçaremos para tornar a inclusão uma realidade para todas as pessoas com deficiência, em particular para aquelas pertencentes a grupos sub-representados, aquelas que enfrentam um alto risco de exclusão ou múltiplas e intersetoriais formas de discriminação, especialmente mulheres e meninas, bem como crianças e jovens com deficiência.
Abordaremos a discriminação múltipla e promoveremos a igualdade de gênero.
Se a discriminação é intersetorial, então nossa resposta a ela também deve ser intersetorial.
- Nós nos esforçaremos para promover a inclusão da deficiência por meio da cooperação internacional para o desenvolvimento, reconhecendo que a inclusão da deficiência é relevante para todos os setores.
- Nós nos esforçaremos para tornar a ação humanitária inclusiva e acessível às pessoas com deficiência, conforme exigido pelo Artigo 11 da CDPD, o Marco de Sendai para a Redução do Risco de Desastres, a Resolução 2475 (2019) do Conselho de Segurança sobre a Proteção de Pessoas com Deficiência em Conflito e as Diretrizes do Comitê Permanente Interagências (IASC) sobre a Inclusão de Pessoas com Deficiência na Ação Humanitária.
Nós nos comprometemos a envidar todos os esforços para eliminar as barreiras que as pessoas com deficiência enfrentam em situações de risco, incluindo situações de conflito armado, emergências humanitárias e a ocorrência de desastres naturais, bem como no acesso a socorro, proteção e apoio à recuperação.
Também garantiremos sua participação no planejamento, concepção, implementação, monitoramento e avaliação, bem como na coordenação da ação humanitária.
- Promoveremos parcerias com as partes interessadas relevantes, incluindo atores nacionais de inclusão da deficiência, o setor privado, sindicatos, academia e sociedade civil para fomentar a inclusão da deficiência.
Essas parcerias serão baseadas na aprendizagem mútua e no intercâmbio para incentivar maior pesquisa e financiamento bilateral e multilateral da inclusão da deficiência e assuntos relacionados, incluindo tecnologias assistivas e inteligência artificial.
- Fortaleceremos nossos esforços para coletar dados e evidências sobre a situação das pessoas com deficiência e sobre a cooperação internacional para o desenvolvimento inclusivo da deficiência, bem como a ação humanitária, a fim de aprimorar nossas políticas, estratégias e programas.
Reconhecemos o marcador de política do Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da OCDE sobre a inclusão e o empoderamento de pessoas com deficiência como um importante mecanismo de monitoramento e orientação, e incentivamos seu amplo uso e contínuo fortalecimento.
Todas as partes, incluindo as instituições multilaterais, são convidadas a relatar sobre a inclusão da deficiência em seus programas.
Isto é fundamental para que os países possam monitorar seus portfólios de cooperação para o desenvolvimento.
- Com mais de um bilhão de razões para mudar, estamos prontos para unir forças e combinar nossos pontos fortes para garantir que os direitos da deficiência sejam efetivamente mantidos hoje e em um mundo pós-Agenda 2030.
Artigo de José Carlos do Carmo, Kal, médico do Trabalho, coordenador da Câmara Paulista para Inclusão da Pessoa com Deficiência no Mercado de Trabalho Formal