Pessoas surdas estão mais preparadas para a autonomia, apesar das barreiras atitudinais

Publicado em: 18/09/2017


A cultura é o conjunto de práticas referentes à leitura, teatro, cinema, interpretação, eventos e programas, entre outros, criados a partir de determinadas características sociais. A cultura surda utiliza uma comunicação espaço-visual como principal meio de conhecer o mundo, em substituição à audição e à fala. Por isso,  tem uma comunidade, da qual participam pessoas com deficiência auditiva e outras que se ligam a elas por diferentes razões. A Associação dos Surdos de São Paulo (ASSP),  reúne pessoas surdas e também intérpretes, familiares, professores e amigos, que participam ativamente dessa cultura.

Segundo dados do IBGE de 2010, naquele ano o Brasil tinha 9,7 milhões de pessoas com problemas auditivos e, dessas, 2 milhões com surdez. Para melhor conhecer o universo surdo, é importante saber que é considerada surda a pessoa que, desde o nascimento, não ouve. Assim, o surdo compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, pela cultura e, principalmente, pelo uso da Língua de Sinais.

Existe três tipos principais de comunicação para pessoas com deficiência auditiva: o surdo oralizado se comunica através da fala;  o surdo bimodal utiliza a fala e, de forma parcial, a Língua de Sinais (Libras), e o surdo bilíngue usa a Libras como a comunicação principal e utiliza a fala como complemento. Assim, pode exercer qualquer função que não dependa da audição como, até mesmo no setor de call center, onde pode fazer o atendimento de chats e telemarketing via internet.

Atualmente há surdos atuando em áreas diversas: são empresários, motoristas de Uber, chefs de cozinha, massoterapeutas, arquitetos, jornalistas, gestores de RH, professores e tantos outros. Infelizmente, porém, a maioria só consegue trabalho na área de produção, mesmo que tenha formação superior.  “Isso acontece porque na hora da contratação, muitos selecionadores  (que são obrigados a contratar por causa da Lei de Cotas), optam pelo surdo mais oralizado, que pode não ser o mais qualificado”, explica Sabine Vergamini, diretora da Unidade Socioeducacional do Centro de Educação para Surdos Rio Branco.

Acesso à comunicação, informação e educação

A garantia do uso da Libras, que viabiliza a inclusão das pessoas surdas em todos os espaços, está respaldada legalmente pela Lei de Libras n. 10.4367 de 2002, e pelo Decreto n. 5.626 de 2005 que obrigam as instituições federais de ensino da educação básica à superior a incluir, em seus quadros, o tradutor e intérprete de Libras como meio de assegurar aos alunos surdos ou com deficiência auditiva o acesso à comunicação, à informação e à educação. Esta legislação, porém, ainda está longe de ser cumprida. “Muitas vezes o surdo é contratado e, por falta de comunicação, acaba isolado do grupo e desiste do emprego ou é dispensado”, destaca Sabine Vergamini.

Quebra da corrente de preconceito

 

Thaluana Nova tem 24 anos de idade, é formada em Design Gráfico, e já trabalhou por mais de três anos em uma multinacional, na área de Recrutamento e Seleção para pessoas com deficiência, além de  fazer a sensibilização de gestores e colaboradores. Atualmente dá palestras sobre a Cultura Surda e participa do Conselho Municipal de Pessoas com Deficiência (CMDPD). “Atuar no Conselho  aumenta  meu conhecimento e permite entender as dificuldades de outras pessoas com diferentes deficiências”, avalia Thaluana. Mas ela encara seu posto de forma política e libertária: “Também quero exercer a defesa dos meus direitos de cidadã e quebrar essa ‘corrente de preconceito’ que existe na sociedade”.

 

 

 

 

 

 

Tarcísio Paciulo Castilho tem graduação em Rede de Computadores pela UNICID  e Pós-Graduação em Segurança da Informação na mesma universidade, além de cursar EaD em Libras pela UFSC. É consultor em TI e há 5 anos trabalha na IBM. “A empresa tem  diversas adaptações que permitem o acesso e a inclusão das pessoas com necessidades especiais às suas atividades”, diz o consultor.

A IBM utiliza os serviços de intermediação em tradução/interpretação de Libras, pela empresa Viável Brasil. “É uma independência e um enorme conforto para nós usuários, bem como liberdade de comunicação para as pessoas ouvintes, em especial com relação à precisão da comunicação”, aponta Tarcísio.

Com base em sua experiência, o consultor  faz um alerta:  “Não adianta investir apenas em cursos de Libras: primeiramente, deve-se pensar em equipamentos de tecnologia para a comunicação, pois estes permitem a independência do surdo em todos os lugares com os serviços online de tradução/interpretação simultâneos”. Como exemplo de lugares onde há necessidade de tradução simultânea, Tarcísio cita os serviços de atendimento “em hospitais, sistemas de transportes, bancos, lojas, bombeiros, polícia e concursos públicos”.

 

Anita Gonçalves é formada em Psicologia, tem experiência de 20 anos em RH, Diversidade e Inclusão e Responsabilidade Social. Na adolescência adquiriu uma deficiência auditiva parcial e utiliza aparelhos auditivos de última geração. “Me comunico bem no dia a dia, mas preciso que as pessoas falem de frente e pausadamente, de forma clara e objetiva. Além disso , utilizo muito e-mail, skype, SMS e WhatsApp que facilitam a minha vida profissional e pessoal”.

Para Anita, os surdos precisam de “acessibilidade atitudinal, respeito e em alguns casos um pouco de paciência, porque é necessário repetir”. Uma curiosidade que ela aponta é que quando estabelece uma relação de parceria e respeito, “a comunicação flui e entendo a pessoa de forma mais clara, o fator psicológico tem um impacto absurdo, e o contrário também é verdadeiro”.

Para manter sua comunicação de forma eficaz, Anita adota atitudes proativas: “leio muito, estudo e me preparo, se perder o conteúdo verbal, procuro compensar de outras formas – mas é inegável que toda ajuda é bem vinda, faz uma grande diferença contar com o apoio dos amigos e colegas de trabalho”.

Felizmente, a tecnologia está a favor das pessoas surdas ou com deficiência auditiva, graças aos chats, internet, aplicativos e outras ferramentas que vem sendo aprimoradas. “Há muitos surdos competentes e inteligentes desempregados, porque as empresas ainda não se atualizaram tecnologicamente para recebê-los”, considera Anita.

Muitos surdos totais ou parciais, como os citados nessa reportagem, são os protagonistas da sua própria inclusão, mas a sociedade precisa ir além. “Não acredito em função para o surdo, ele poderá ocupar qualquer cargo, desde que haja formação, conhecimento e acessibilidade comunicacional e atitudinal”, conclui Anita.

Definição de Surdo, segundo Tarcisio Castilho:  “Ouço com meus olhos, falo com minhas mãos e assim como você ‘normal’, amo e sinto com meu coração”.

Por Stela Masson, 16/09/2017

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