Projeto Sociedade Inclusiva vai disponibilizar gratuitamente informações sobre inclusão e acessibilidade

Publicado em: 30/07/2020


Autor de vários livros e um dos precursores de estudos sobre acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência no Brasil, Romeu Sassaki vai reunir conteúdo produzido durante décadas de pesquisas em site.

Por Fátima El Kadri

Consultor na área de acessibilidade e inclusão há pelo menos 60 anos, Romeu Sassaki acompanhou de perto a evolução do movimento pelos direitos da pessoa com deficiência no Brasil e no mundo, dedicando-se à produção e divulgação de informações sobre o tema. Sua contribuição é tão importante que ele é reconhecido como “Pai da Inclusão”.

Em entrevista exclusiva ao site da Câmara, Sassaki fala sobre sua participação ativa no movimento, avalia as políticas atuais e garante que a primeira lei de cotas foi criada em 1960, e não em 1991, que é a data oficial. “Deveríamos estar comemorando os 60 anos da lei”, afirma.

Além disso, ele conta detalhes de seu mais novo projeto, intitulado “Sociedade Inclusiva”, que consiste em compartilhar o conhecimento acumulado ao longo de todos esses anos em um site aberto ao público. Serão disponibilizados, de forma gratuita, centenas de pesquisas e artigos sobre os mais variados temas, todos eles voltados ao universo da pessoa com deficiência.

Para viabilizar a construção do site e os procedimentos necessários, Romeu Sassaki está solicitando o apoio da sociedade em geral, por meio de uma plataforma de financiamento coletivo. Confira a entrevista a seguir e saiba como colaborar com a iniciativa.

Câmara Paulista de Inclusão : Como avalia que estamos hoje, em relação às políticas relacionadas à pessoa com deficiência e à educação inclusiva?

RS: Tenho sido ativista ininterruptamente desde 1979, quando participei da primeira reunião para a criação do movimento nacional pelos direitos das pessoas com deficiência, razão pela qual alguns dos principais líderes com deficiência me presentearam  com o título de “Pai da Inclusão” em 29 de julho de 2018, cerca de 39 anos depois do nascimento desse movimento..

O movimento pelos direitos da pessoa com deficiência teve duas fases importantes: a primeira aconteceu de 1979 a 2009, com uma evolução rápida e altamente produtiva, causando forte impacto positivo sobre o segmento das pessoas com deficiência e sobre a sociedade brasileira em geral. Estávamos vivendo o Paradigma da Integração de 1979 a 1989 e mudamos para o Paradigma da Inclusão a partir de 1990.

Em 2010, o Governo Federal publicou o livro intitulado “História do movimento político das pessoas com deficiência no Brasil”, dando início à segunda fase do movimento — que perdura até hoje —, sob o Paradigma da Inclusão, com uma evolução lenta, a ponto de se estagnar às vezes, e agravada em parte pelo falecimento de vários líderes pioneiros.

Mesmo assim, o movimento não morreu e nos últimos cinco anos voltou a produzir mudanças positivas, principalmente com a aprovação da Lei nº 13.146, de 6/7/2015, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI).

Sobre a educação inclusiva no Brasil, houve uma evolução impactante (por ser revolucionária), mas lenta (por causar resistência e descrença aos adeptos da chamada “educação especial”, que não conseguiam entender a filosofia da inclusão como fundamento da nova visão de educação em relação a estudantes com deficiência na Educação Básica e na Educação Superior).

Esta primeira fase coincidiu com o surgimento da proposta da inclusão em todas as áreas de vida da pessoa com deficiência, simultaneamente com o advento da educação inclusiva. A segunda fase começou em 2011 e permanece avançando até 2020, em ritmo acelerado e produtivo, além de combater tentativas corporativas de educadores alinhados com o posicionamento a favor de turmas “homogêneas” (somente estudantes sem deficiência) nas classes ou escolas comuns.

2. Câmara Paulista de Inclusão: A Lei de Cotas acaba de completar 29 anos. O Sr. teve a oportunidade de acompanhar/participar da criação dessa lei? Como avalia sua aplicação e as tentativas recentes do atual governo de enfraquecê-la?

RS: Tive diversas oportunidades de acompanhar a existência da Lei de Cotas, mas não necessariamente participar da criação dela. Graças ao fato de haver começado em 1960 a fazer colocação de pessoas com qualquer tipo de deficiência no mercado de trabalho, tive o privilégio de ser um profissional contemporâneo do surgimento do sistema de cotas, acessando diretamente os ordenamentos jurídicos relativos às cotas laborais para trabalhadores com deficiência.

Portanto, o sistema de cotas (ou, se preferir, a “lei de cotas”) no Brasil surgiu em 1960 e não em 1991 (ano da aprovação da Lei nº 8.213, de 24/7/1991. O Brasil comemora em 24 de julho de 2020 os 29 anos da Lei nº 8.213/1991, mas deveríamos comemorar a data no dia 26 de agosto de 2020, os 60 anos da primeira Lei de Cotas, que foi a Lei nº 3.807, de 26/8/1960.

Durante os meus primeiros 13 anos de prática de colocação laboral de pessoas com deficiência, surgiram quatro “leis de cotas”. Ao longo de seis décadas, sempre houve adeptos do sistema de cotas laborais e adversários desse sistema. Em meio a tais polêmicas, sempre venceram os adeptos, mas os adversários nunca desistiram. De vez em quando, principalmente em meio aos períodos de calmaria dentro do movimento favorável à Lei de Cotas, têm surgido tentativas de enfraquecer ou até mesmo de eliminar esta lei. Tais ações têm sido organizadas pelos mais variados grupos: empresários, federações patronais, entre outros. Com relação à última tentativa, vinda do governo federal por meio de uma medida provisória, (conforme noticiado aqui), em pleno século 21, em 2020, a MP ainda utiliza o termo “portadoras de deficiência”, que é incorreto, conforme determinação do Conade (Conselho Nacional de Pessoas com Deficiência). 

Além disso, a MP acrescenta os jovens de até 29 anos ao lado de pessoas com deficiência reabilitadas ou habilitadas, diminuindo drasticamente as possibilidades de contratação deste grupo tradicional, pois claramente os empresários contrários à Lei de Cotas, se obrigados a contratar, irão preferir os tais jovens de até 29 anos.

A MP utiliza o misterioso, vago, enganoso termo “egressos do sistema de acolhimento” para caracterizar os jovens. Por que usar o termo “egressos”? A que se refere o “sistema de acolhimento” no contexto da colocação laboral, quando a terminologia “acolhimento” pertence ao contexto da assistência social”?

Felizmente, mais uma vez, a maciça mobilização dos adeptos da Lei de Cotas está se posicionando para derrubar a perniciosa MP. Os adeptos nada têm contra os jovens de até 29 anos de idade, que já têm o seu direito ao trabalho assegurado em outro contexto legal.

Os adeptos estão contra essa política de “tomar alhos por bugalhos”, que diminui perigosamente a chance de contratação de pessoas com deficiência. Estamos sabendo que o Ministério Público do Trabalho e a Câmara Paulista para Inclusão de Pessoas com Deficiência já se posicionaram contra essa MP.

3. Câmara Paulista de Inclusão: Considerando sua experiência em outros países, o Sr. diria que a inclusão aqui no Brasil está atrasada ou avançada?

RS: A implementação da proposta brasileira da inclusão, seja no campo do trabalho, da educação ou de qualquer outro campo, se comparada com a realidade de outros países, está atrasada em termos quantitativos e avançada em termos qualitativos.

De fato, a prática do emprego/trabalho inclusivo avançou bastante graças ao desenvolvimento de conhecimentos técnicos atualizados, graças ao progresso na criação/utilização de tecnologias assistivas, de tecnologias da informação e de tecnologias da informação e comunicação. Mas estamos longe de conseguir fazer os tais avanços chegarem até a grande maioria das pessoas com deficiência em todo o Brasil.         

4. Câmara Paulista de Inclusão: Quais os temas que o Sr. pretende abordar no Projeto Romeu Sassaki Sociedade Inclusiva?

RS: São vários os temas a serem abordados, entre eles: Acessibilidade, Adaptações Altas Habilidades, Inclusão, Categorias e Tipos de Deficiência, Cinema, Teatro, Cultura, Artes, Publicações Impressas ou Digitais, Dados Estatísticos sobre Pessoas com Deficiência, Datas Comemorativas, Defesa de Direitos, Documentos Mundiais, Educação Inclusiva, Emprego Apoiado, Estudantes e Professor de Serviço Social, Inteligências Múltiplas e Estilos de Aprendizagem, Lazer e Turismo, Lei de Cotas no Mercado de Trabalho, Modelos Médico e Social da Deficiência, Ordenamentos Jurídicos Federais, Reabilitação Profissional, Tecnologias em Geral, Terminologia na Área das Deficiências, Transporte e Mobilidade Urbana e Rural.

5. Câmara Paulista de Inclusão: A proposta (do Projeto) é reunir apenas o que já foi publicado ou haverá novos conteúdos?

RS:  As duas coisas. Quanto aos textos que já foram publicados, selecionei apenas aqueles que têm valor histórico, revisei-os e acrescentei neles os meus comentários atuais para contextualizá-los no passado e analisá-los pela perspectiva dos fatos ocorridos nos dias de hoje.

Quanto aos textos com novos conteúdos, estou no momento redigindo-os à medida que surjam motivos interessantes nos âmbitos local (qualquer cidade), estadual e nacional, motivos esses relacionados a alguma das temáticas da pessoa com deficiência.

6. Câmara Paulista de Inclusão: A ideia do Projeto é criar um site para acesso geral (tal como uma biblioteca virtual) com todas as informações, ou o acesso será restrito de alguma forma?

RS: Como regra, o site do Projeto estará aberto ao acesso de qualquer pessoa física ou jurídica (uma biblioteca virtual, por exemplo), em qualquer parte do Brasil. No entanto, as pessoas que apoiarem os custos da pesquisa, produção e disseminação, receberão  mensalmente os textos em de acordo com o apoio escolhido. Ao mesmo tempo, haverá textos que serão distribuídos gratuitamente.

Quando o site estiver no ar, o interessado poderá acompanhar a postagem dos textos disponibilizados mês a mês e fazer a escolha do apoio que desejar doar.

7. Câmara Paulista de Inclusão: De que forma os interessados podem colaborar com o projeto?RS: Acessando o link: https:APOIA.se/romeusassaki. Lá é possível encontrar mais detalhes do Projeto, bem como a forma de doação. A campanha não tem prazo para acabar

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