Auditores-Fiscais do Trabalho são agentes de construção dos direitos das pessoas com deficiência

Publicado em: 30/10/2020


Desde 2008 esses servidores públicos debatem, questionam e contribuem para a formulação de uma legislação adequada que propicie a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho e na vida.

TEXTO REPRODUZIDO A PARTIR DE PUBLICAÇÃO no: Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (SINAIT) com informações de Auditores-Fiscais do Trabalho do Projeto de Inclusão de Pessoas com Deficiência e Reabilitados no Trabalho

Na atualidade, o marco para o direito das Pessoas com Deficiência no Brasil é, com certeza, a Lei Brasileira de Inclusão – Estatuto da Pessoa com Deficiência ou Lei 13.146/2015. Esta lei regulamenta a Convenção Internacional da Organização das Nações Unidas – ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência trazendo uma série de dispositivos garantidores de direitos fundamentais, dentre eles o direito ao trabalho. Esta lei também apresenta a evolução do próprio conceito de pessoa com deficiência. A deficiência não é mais tratada como um atributo do indivíduo, decorrente de uma doença, mas entendida como consequência de um conjunto complexo de situações, muitas das quais criadas pelo ambiente social.

A Auditoria-Fiscal do Trabalho teve papel fundamental no processo desta construção legislativa, em razão da expertise e da prática reconhecidas em seu trabalho diário de fiscalização, avaliação de laudos caracterizadores de deficiência e efetivação do direito ao trabalho das pessoas com deficiência no Brasil.

Neste 28 de outubro, Dia do Servidor Público, é um exemplo, entre muitos, da atuação direta de servidores públicos trabalhando para melhorar aspectos da vida de uma parcela da população que encontra uma série de obstáculos para se inserir no mercado de trabalho e na sociedade sob diversos aspectos.

A participação de Auditores-Fiscais do Trabalho nesse processo teve início por meio de um alerta identificado pela Auditora-Fiscal Fernanda Pessoa – hoje aposentada –, quando era Conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Conade. Em uma reunião ordinária do Conselho, em 2013, tomou conhecimento de que um dos itens da minuta proposta para o projeto de Lei do Estatuto da Pessoa com Deficiência – hoje Lei Brasileira de Inclusão, afetava profundamente e de forma negativa, a Lei de Cotas e a competência da Auditoria-Fiscal do Trabalho na fiscalização de seu cumprimento.

A minuta propunha diversas alterações na redação do art. 93 da Lei 8.213/91, dentre elas a de que as empresas que comprovassem estar cumprindo Termo de Ajustamento de Conduta – TAC com o Ministério Público do Trabalho – quando versasse sobre a reserva de vagas – não sofreriam multa administrativa, sob a justificativa de proporcionar segurança jurídica, vinculando também os Auditores-Fiscais a fiscalizar de acordo com os termos por estes firmados. Um erro técnico, considerando a divisão dos poderes, e muito prejudicial à fiscalização, de competência expressa do então Ministério do Trabalho.

Por esta razão, um grupo de Auditores-Fiscais do Trabalho integrado pela Conselheira do Conade, Fernanda Pessoa, e pelos Coordenadores Estaduais do Projeto de Inclusão de Pessoas com Deficiência e Reabilitados no Trabalho, Ana Maria Machado da Costa, Fernando Sampaio, José Carlos do Carmo – Kal, Patrícia Siqueira e Rafael Giguer, diante da possibilidade de supressão de competência da Inspeção do Trabalho, foi convocado pela então Secretaria de Inspeção do Trabalho – SIT para avaliar a minuta do Substitutivo. O grupo trabalhou na análise do documento durante uma semana em Brasília.

Como resultado, foi editada a Nota Técnica nº 173/2013/DMSC/SIT, sobre o Estatuto da Pessoa Com Deficiência, cuja ementa diz: “Esta proposta outorga à Inspeção do Trabalho competência para atuar como agente fiscalizador de Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TACs), firmados pelo Ministério Público do Trabalho em concomitância com a supressão de suas competências principais afetas ao poder de polícia. Impossibilidade. Competência fiscalizadora da Inspeção do Trabalho tem por objeto o cumprimento da lei em sentido estrito e não de outros instrumentos, ainda que celebrados por instituição de reconhecida importância como é o Ministério Público do Trabalho. A competência da Inspeção do Trabalho é exclusiva, razão pela qual não comporta delegação e, com mais razão, suspensão ou condicionamento em face da ação de outro órgão ou instituição”.

Ao se debruçarem sobre a minuta, face ao conhecimento acumulado na prática da fiscalização, vários outros itens da minuta do Substitutivo foram objeto de análise e exame desse Grupo, especialmente os que propunham a flexibilização da Lei de Cotas. Na Nota Técnica nº 185/2013/SIT/MTE, foram apresentadas propostas referentes aos seguintes itens:

a) Art. 3º: tipificação das deficiências;

b) Art. 4º: avaliação da deficiência;

c) Art. 7º: direito à igualdade e à não discriminação;

d) Art. 29: direito a habilitação e reabilitação;

e) Art. 42: reserva de vagas na aprendizagem e ensino profissionalizante;

f) Art. 47 § 1º: direito ao trabalho;

g) Art. 49: habilitação e reabilitação profissional no mundo do trabalho;

h) Art. 53: modos de inclusão da pessoa com deficiência no trabalho;

i) Art. 54: trabalho prestado por meio de entidade sem fins lucrativos;

j) Art. 120: modificações no artigo 93 da Lei 8213/91;

k) Art.131: prazo da avaliação da deficiência e;

l) Sugestões de alteração na legislação vigente para adequação ao documento proposto, nos temas aprendizagem profissional e discriminação.

Debate nacional

O Grupo de Auditores-Fiscais visitou a deputada federal Mara Gabrilli – relatora do Projeto do Estatuto, e apresentou seu posicionamento sobre a proposta de minuta de Substitutivo. Foi aberto assim um canal de comunicação importante com ela e seus assessores. Em vários momentos subsequentes, o diálogo foi mantido com o intuito de apresentar o posicionamento dos Auditores-Fiscais sobre o Substitutivo por ela apresentado.

As notas técnicas da SIT desencadearam um grande debate nacional. O Conade acolheu a grande maioria das propostas da Auditoria-Fiscal do Trabalho, que restou reconhecida e valorizada por sua expertise na matéria.

O desembargador Ricardo Tadeu da Fonseca, pessoa com deficiência visual, foi convocado pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho – CSJT e o Tribunal Superior do Trabalho – TST para elaborar propostas para o projeto do Estatuto da Pessoa com Deficiência, já que fora indicado pela deputada Mara Gabrilli como revisor das propostas de Substitutivo apresentadas.

A convite do desembargador, o Grupo de Auditores-Fiscais do Trabalho reuniu-se na sede do TST nos dias 21 e 22 de novembro de 2013. O relatório elaborado pelo desembargador referendou em torno de 40 contribuições apresentadas pela Auditoria-Fiscal do Trabalho.

O texto final da LBI traz a contribuição da Auditoria-Fiscal do Trabalho em 36 artigos.

Avaliação biopsicossocial e multidisciplinar

Nos amplos debates que marcaram a construção da LBI, os Auditores-Fiscais do Trabalho, por meio da Nota Técnica nº 185/2013/SIT/MTE, defenderam que a avaliação da deficiência deveria ser biopsicossocial e multidisciplinar, em consonância com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

A proposta inicial da minuta do Substitutivo dizia que a avaliação seria médica e social, retirando dessa avaliação outros profissionais e os aspectos psicológicos e pessoais. Mas, felizmente, essa visão não foi consagrada pela LBI. Diz o art. 2º, §1°: a avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar.

A Convenção, seguida pela LBI, ao estipular o caráter biopsicossocial da avaliação, determinou uma visão sistêmica, transversa e multiprofissional da deficiência, fazendo com que a sua avaliação envolvesse uma atuação multidisciplinar e não mais específica de uma única categoria profissional.

A antiga compreensão da deficiência como algo definido somente pelo corpo, voltada exlusivamente para a Classificação Internacional de Doenças – CID caiu por terra e se tornou inconstitucional. A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – CIF passou a ser incorporada, tornando-se um referencial melhor para atender aos preceitos constitucionais e da LBI.

Instrumento de avaliação

Desde 2008 o Brasil vem reunindo especialistas para construção de um instrumento de avaliação da deficiência adequado para a realidade do País. Inicialmente, um Grupo de Trabalho Interministerial – GTI se reuniu para estudar os diversos instrumentos utilizados no mundo todo e avaliar se algum se adequava à situação brasileira e suas políticas e ações afirmativas. Foi quando a Auditoria-Fiscal do Trabalho, representada pela Auditora-Fiscal e médica do Trabalho Lailah Vilela, iniciou a representação como especialista do Ministério do Trabalho (Portaria nº 606, de 28 de agosto de 2008) na construção de instrumento de avaliação adequado. O Grupo concluiu que não havia nenhum instrumento disponível em outros países que atendesse aos nossos objetivos.

Considerando a inadequação dos instrumentos disponíveis, o GTI definiu a necessidade de um novo instrumento, com diretrizes específicas.

Essas diretrizes foram estritamente seguidas no desenvolvimento do Índice de Funcionalidade Brasileiro – IF-Br –, construído por técnicos especialistas de diversas formações – multiprofissional –, de modo interdisciplinar, coordenada pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade – IETS e com participação ativa de especialistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.

Mais uma vez, houve participação de Lailah Vilela como representante da Auditoria-Fiscal do Trabalho, levando as opiniões do grupo de fiscalização da inclusão de pessoas com deficiência no trabalho. Houve a definição de categorias da CIF, utilização da Medida de Independência Funcional – MIF adaptada para quantificação, recortes para as diversas faixas etárias, constituição do método Fuzzy para completar todas as etapas de desenvolvimento do instrumento.

É claramente perceptível que tais diretrizes se tornaram indispensáveis ao adequado cumprimento da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil como Emenda Constitucional e da Lei 13.146/2015, conforme explicitado anteriormente.

Em abril de 2016 foi criado o “Comitê do Cadastro Nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência e da Avaliação Unificada da Deficiência”, reformulado em 2017 pelo Decreto 8.954, do qual o Ministério do Trabalho participou ativamente, representado pelas Auditoras-Fiscais do Projeto de Inclusão de Pessoas com Deficiência no Trabalho, Ana Costa (RS) e Lailah Vilela (MG), além da Coordenadora do Projeto em Brasília, Fernanda Pessoa, nesta época ainda conselheira no Conade. Esse Comitê foi responsável pela formulação da nova versão do IFBr, junto à Universidade de Brasília.

O IF-Br já foi validado e tem duas versões:

  1. versão para a aposentadoria especial da pessoa com deficiência prevista na LC 142/2013 – IF-BrA também validado e em pleno uso;
  2. versão atual construída por representantes de vários Ministérios e representantes da sociedade civil, que passou por uma revisão de conteúdo e que se encontra validada cientificamente pela Universidade de Brasília, com uma amostra significativa de pessoas – quase cinco mil –, com representatividade estatística da distribuição dos tipos de deficiência e faixas etárias no Brasil.

A participação da Auditoria-Fiscal do Trabalho, desde 2008, na construção deste importante instrumento de avaliação unificada em suas várias versões e a sua validação realizada pela Universidade de Brasília – UnB, além da expertise e conhecimentos da prática, principalmente da inclusão no trabalho, reafirmam o posicionamento dos coordenadores estaduais do Projeto obrigatório de Inclusão das Pessoas com Deficiência/Reabilitadas no Mercado Formal de Trabalho, em defesa e manutenção do IFBr-M, como instrumento adequado para elaboração e implementação da avaliação biopsicossocial da deficiência.

O IFBr-M foi aprovado também pelo Conade, no dia 10 de março de 2020, por meio da Resolução nº 01 de 2020, referendada pelo colegiado em sua 124ª reunião, como instrumento adequado de avaliação da deficiência a ser utilizado pelo governo brasileiro, conforme prevê o parágrafo 2º do Artigo 2º da Lei nº 13.146/2015.

Atual representação da Auditoria-Fiscal do Trabalho

Nesta histórica votação destaca-se o voto do Auditor-Fiscal do Trabalho Rafael Giguer, atual conselheiro representante da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho no Conade.

Rafael Giguer deve ser distinguido como Auditor-Fiscal do Trabalho não apenas por sua marcada competência técnica e reconhecimento público, mas também por sua história de vida. É pessoa com deficiência visual e sentiu na pele as barreiras da sociedade para as pessoas com deficiência, inclusive nunca tendo conseguido ingressar na iniciativa privada devido ao preconceito que sofreu, apesar de formado em Engenharia e de sua competência técnica. Jamais conseguiu emprego, em decorrência do preconceito contra sua deficiência, restando-lhe como única opção prestar concurso público. Hoje, felizmente, atua justamente na garantia dos direitos da pessoa com deficiência no trabalho.

O Conade é um órgão superior de deliberação colegiada, cujas competências, dentre outras, são acompanhar, propor, formular e avaliar políticas públicas, bem como defender, em âmbito nacional, os direitos à promoção e inclusão social da pessoa com deficiência. Este Conselho materializa o lema do movimento das pessoas com deficiência: “nada sobre nós sem nos”.

Portanto, é emblemática a participação do primeiro conselheiro com deficiência representando a Inspeção do Trabalho no Conselho, bem como sua participação na votação que aprovou o instrumento de avaliação da deficiência, tão debatido e desenvolvido científica e tecnicamente com a participação da Auditoria-Fiscal do Trabalho.

Voltar para Notícias