Brad: o Pantera Negra com deficiência – Por Flavio Gonzalez*
Neste Dia da Consciência Negra, gostaria de falar deste militante ímpar chamado Bradley Lomax. Brad, esse aí na cadeira de rodas, era, em 1970, um morador de Oakland e membro do Partido dos Panteras Negras. Tinha esclerose múltipla. Em 1974, Lomax trabalhou com George Jackson no que seria a Clinica dos Panteras, com o objetivo de fornecer assistência médica como parte da missão do partido de “servir o povo”. Reconhecendo a necessidade de mais serviços para pessoas com deficiência ele tentaria criar sua própria comunidade em 1975. Lomax se aproximou então de Ed Roberts (que ajudou a fundar o Centro de Vida Independente em Berkeley, em 1972), com uma proposta de abertura de um Centro de Vida Independente em East Oakland sob o patrocínio dos Panteras Negras. Menos de um ano depois, eles criaram uma base com o objetivo de fazer aconselhamentos para este público.
Os Panteras Negras não tinham uma política específica para pessoas com deficiência, mas com a participação ativa de Lomax na defesa deste tema, eles começaram a apoiar outras iniciativas, principalmente com o objetivo de melhorar a Lei de Reabilitação dos EUA, o que foi um momento seminal no movimento dos Direitos das Pessoas com Deficiência no mundo, registrado no documentário Crip Camp – A revolução da inclusão, produzido pelos Obama. Uma ocupação feita na sede do Departamento de Educação, Bem Estar e Saúde, em São Francisco, teve um grande êxito na aprovação de todas as emendas necessárias a esta Lei. Um fato pitoresco é que esta ocupação apenas foi possível graças a uma operação desencadeada por Lomax, que forneceu refeições a todos os manifestantes para que não precisassem sair do local. Na foto abaixo vemos Lomax e dois outros ativistas descansando enquanto comemoram após entregarem as marmitas aos manifestantes.
O Partido dos Panteras Negras (em inglês, Black Panther Party ou BPP), originalmente denominado Partido Pantera Negra para Auto-defesa (em inglês, Black Panther Party for Self-Defense) foi uma organização política extraparlamentar socialista revolucionária norte-americana e ligada ao nacionalismo negro. Fundada em 1966, na cidade de Oakland, Califórnia, por Huey Newton e Bobby Seale, a organização permaneceu ativa nos Estados Unidos até 1982. A finalidade original da organização era patrulhar guetos negros para proteger os residentes dos atos de brutalidade da polícia.
Posteriormente, os Panteras Negras tornaram-se um grupo revolucionário marxista que defendia o armamento de todos os negros, a isenção dos negros de pagamento de impostos e de todas as sanções da chamada “América Branca”, a libertação de todos os negros da cadeia e o pagamento de indenizações aos negros por “séculos de exploração branca”. A ala mais radical do movimento defendia a luta armada.
Os confrontos entre os Panteras Negras e a polícia, nos anos de 1960 e nos anos de 1970, resultaram em vários tiroteios na Califórnia, em Nova Iorque e em Chicago. Um desses confrontos resultou na prisão de Huey Newton por ter matado um policial. Na medida em que alguns membros da organização foram considerados culpados de atos criminosos, o grupo passou a ser alvo de ataques violentos por parte da polícia, o que suscitou investigações, no Congresso dos Estados Unidos, sobre a repressão policial contra os Panteras. Em meados dos anos de 1970, a perda de muitos membros e a queda da simpatia do público pelos líderes negros levaram a uma mudança dos métodos da organização, que passou a se dedicar à atividade política convencional e à prestação de serviços sociais às comunidades negras.
Em meados dos anos de 1980, a organização estava efetivamente desfeita. Segundo a ex-militante Ericka Huggins, “o FBI quebrou os Panteras Negras. Acabar conosco se tornou uma questão de honra, e nisso eles foram bastante competentes”. Em um único ano, afirmou ela, 28 membros dos Panteras Negras foram assassinados, e vários outros foram presos. No movimento liderado por Lomax, Judith Hellman, entre outros, em 1973, conseguiu-se a aprovação da chamada Seção 504 da Lei de Reabilitação, que garantiu direitos federais às pessoas com deficiência dos EUA. Abaixo a manifestação com cartazes exigindo a aprovação da 504 no evento onde Lomax, com a ajuda de simpatizantes, conseguiu fornecer comida caseira as dezenas de participantes durante vários dias de ocupação até a aprovação da lei.
As conquistas de direitos das pessoas com deficiência são, em todo o mundo aonde implantadas, conquistas não apenas de um grupo, mas de toda a humanidade, já que a deficiência é altamente recorrente em todos os países do mundo e pode afetar cada pessoa ao longo da vida ou cada família. Estes direitos, como todos os que existem, caminham não no sentido de privilégios, mas de igualdade de oportunidades, enfim, da justiça social. Não foram presenteados por nenhum governante, por nenhum líder carismático, mas conquistados por muitas lutas de pessoas, de famílias, ao longo de décadas, de séculos de alijamento, de exclusão. Lutamos contra o racismo e também contra o capacitismo, que é seu equivalente em relação à pessoas com deficiência. A igualdade, entretanto, ainda é um objetivo muito distante a ser conquistado pela raça humana. Por hora, como dizia o saudoso professor Milton Santos, ainda estamos apenas ensaiando o que será a humanidade. Nos orgulhamos de nossa tecnologia, mas em termos de justiça, de direitos, de convívio fraterno, que são os elementos mais essenciais para uma civilização, somos ainda primatas, rudes habitantes de uma terra do porvir.
*Flavio Gonzalez é Executivo de Negócios Sociais no IJC – Instituto Jô Clemente.