Cumprir a legislação ainda é o principal motivo para as empresas contratarem pessoas com deficiência
Publicado em: 19/04/2017
A obrigatoriedade de cotas para pessoas com deficiência, a serem contratadas por empresas com mais de 100 funcionários iniciou-se logo após a edição da Lei nº 8.213, de 1991, conhecida como Lei de Cotas. A partir daí, alguns setores econômicos começaram a questionar esta obrigação. Um dos argumentos frequentes por parte das empresas é o de que não encontram pessoas com deficiência capacitadas para contratar e que a legislação impõe obrigações difíceis de serem cumpridas e lhes inflige pesadas multas. Por outro lado, medidas governamentais recentes dificultam o acesso das pessoas com deficiência à formação escolar e profissionalizante. No Brasil, o cumprimento da legislação ainda é o principal motivo para as empresas contratarem pessoas com deficiência, assim, informações sobre esses profissionais no mercado de trabalho são escassas. Essa lacuna leva a grande maioria das organizações a sofrerem, muitas vezes, pesadas multas ou contratarem profissionais de perfis incompatíveis com a atividade.
Para mostrar a visão dos profissionais de Recursos Humanos sobre a Lei de Cotas e melhor entender o posicionamento destes especialistas, usamos as informações da pesquisa “Expectativas e Percepções Sobre a Inclusão de Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho”, desenvolvida pela consultoria i.Social em parceria com a Catho e ABRH Nacional, e divulgada em abril de 2016. Veja algumas das importantes descobertas do estudo:
- 82% dos profissionais de RH afirmam que a empresa contrata pessoas com deficiência apenas para cumprir a Lei de Cotas.
- 49% dos responsáveis pelo recrutamento são gerentes, coordenadores e diretores.
- 8% do total de entrevistados disseram não conhecer a Lei de Cotas, e apenas 35% consideram ter bons conhecimentos do assunto.
- 60% creem que o preconceito está presente no ambiente de trabalho, seja por colegas (42%), gestores (30%) ou clientes (27%).
Outro dado importante que esse levantamento nos mostra é que 82% dos entrevistados consideram que a busca por profissionais com deficiência “é mais difícil” em comparação com aqueles sem deficiência. Em entrevista à Agência Brasil, a diretora de Recursos Humanos da Engie no Brasil, Simone Barbieri, fala sobre a dificuldade de encontrar profissionais com deficiência: “Carecemos de um sistema de dados para localizar essas pessoas. Por isso, é preciso integrar iniciativas comuns entre os poderes públicos e as empresas privadas para incluir essa população. Temos um longo caminho pela frente.”
As fontes para recrutamento nas empresas são diversificadas, mas a predominância é de “indicações” (58%) e busca em ONGs (55%). Ou seja, por um lado, as contratantes não têm um banco de currículos qualificado, por outro, há a percepção – equivocada – de que as pessoas com deficiência estão sempre vinculadas a alguma ONG.
Para Marisa Schain, psicopedagoga da Associação Nacional do Emprego Apoiado (AneaBrasil), que faz a ponte entre a empresa que busca o funcionário e a pessoa que está a procura do emprego, dando capacitação e acompanhando a adaptação dentro da organização, “sai mais barato para a empresa qualificar a partir do surgimento da vaga do que ficar experimentando e trocando candidatos, ou recebendo multas”. Para ela, a cada demanda por vaga é preciso buscar o candidato e treiná-lo. “Ele pode ser um ótimo profissional, mas ter curso de balconista e aparecer vaga para operador de xerox”, exemplifica.
Contrariando o mito de que profissionais com deficiência têm baixa qualificação, 54% dos entrevistados de RH e demais gestores ouvidos pela consultoria i.Social consideram que a qualificação desses profissionais está na média ou “acima dela”. Para Marinalva Cruz, secretária adjunta da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência, “há muitas pessoas com deficiência bem qualificadas e que, mesmo com a Lei de Cotas, têm dificuldades em conquistar uma vaga formal de trabalho em sua área de atuação”.
A razão pode estar na baixa qualidade no processo de inclusão, pois como a maior parte das empresas (82%, segundo a pesquisa), considera a contratação um custo e não um investimento, os recursos, o tempo, as adaptações e os profissionais necessários para um bom processo de inclusão costumam ser limitados.
“Esta situação só mudará a partir de ambientes acessíveis, de gestores e demais profissionais informados, sensibilizados e capacitados para a inclusão”, aponta Ivone Santana, da consultoria Instituto Modo Parités – Inclusão Social na Prática.
“As empresas pensam que para cumprir a Lei de Cotas basta abrir a vaga e falar: trabalhe” afirma Marisa Schaim, da AneaBrasil.“É preciso treinar a pessoa in loco”, ilustra a psicopedagoga. “Alguém tem que ensinar ao ingressante como fazer as tarefas e todas as questões relativas à função”.
Outra estratégia de fácil implantação é mapear os cargos existentes, de forma a torná-los acessíveis para que candidatos com ou sem deficiência possam candidatar-se. “Mas isso implica em mudar o paradigma das empresas que, na ânsia de cumprir a Lei de Cotas abrem, por exemplo, 20 vagas de uma vez para o setor operacional, deixando de incluir profissionais especializados em outras funções”, observa a consultora Ivone Santana.
Para o diretor de Treinamento, Talento e Desenvolvimento da Nestlé no Brasil, Gilberto Rigollon, a presença de trabalhadores com deficiência na empresa torna-a mais diversa e melhora a produtividade. “Temos mais de 1,2 mil empregados com deficiência, extremamente dedicados e eficientes, cerca de 7% do total de empregados. Acreditamos que eles ajudam a melhorar o ambiente de trabalho”, afirma Rigollon.
No entanto, são raros posicionamentos inclusivos como o da Nestlé. Para ilustrar, citamos um fato recente, ocorrido com um aluno da Escola Técnica ETEC Pirituba, de São Paulo. Segundo a diretora Eliane Leite, uma empresa procurou a Escola para contratar um estagiário do Curso Técnico de Eletroeletrônica. “Um aluno nosso foi para a entrevista de seleção, levando em seu currículo um destaque que ele mesmo colocou sobre sua deficiência. Ele tem um problema na perna bem visível, mas anda sem necessidade de qualquer auxílio. Chamado para a 2ª etapa- de dinâmica e avaliação, foi aprovado para a vaga. Como ele trabalhava em outra empresa e nessa oportunidade o valor da bolsa de estágio e os benefícios eram melhores, além da chance de efetivação, ele pediu demissão no outro emprego”, relata Eliane. Porém, não foi tão simples, como prossegue a diretora: “No dia da assinatura do contrato e exame médico, o RH disse que não haviam reparado que ele era deficiente, e não poderiam mais contratar”. Após a interferência da Escola Técnica em defesa da contratação, teve início uma etapa desgastante com o RH da empresa até que, finalmente, o aluno acabou sendo contratado.
As pessoas são diferentes, é preciso trabalhar junto para aprender com as diferenças e a melhor maneira de construir esse ambiente é através de políticas públicas para a qualificação de profissionais, desde a base da formação.
Fontes:
Agência Brasil – http://agenciabrasil.ebc.com.br/rio-2016/noticia/2016-09/especialistas-debatem-inclusao-de-pessoas-com-deficiencia-no-mercado-de
i.Social – http://blog.isocial.com.br/a-lei-de-cotas-ajuda-ou-atrapalha-a-empregabilidade-das-pessoas-com-deficiencia/
Por Stela Masson, outubro de 2016, atualizado em abril de 2017