Emergências e desastres socioambientais: como ficam as pessoas com deficiência?
Publicado em: 12/06/2024
Comissão Intersetorial promove encontro em julho para debater o assunto. Socióloga Marta Gil é entrevistada para analisar os riscos das pessoas com deficiência em situações de tragédias decorrentes da crise climática. Perda de recursos de acessibilidade (cadeiras de rodas, bengalas, próteses e órteses) no momento do resgate são alguns dos pontos mencionados.
Fonte: Agência Senado
Diante da tragédia ocorrida no RS e a iminência de casos semelhantes ocorrerem com maior frequência, a Comissão Intersetorial de Atenção a Saúde das Pessoas com Deficiência, do Conselho Nacional de Saúde (CIASPD), em conjunto com o Abra SUS (Podcast lançado para aproximar conselheiras, conselheiros, entidades, movimentos populares, sindicais e todas as pessoas que se interessam, lutam e acreditam na importância do SUS), convida interessados a participar da roda de conversa: “Emergências e desastres socioambientais: como ficam as pessoas com deficiência?” que será realizada dia 09 de julho, às 18h. Para participar é preciso fazer a inscrição via link: https://forms.gle/6SnTRNEqMazj2k8Q9
No dia 07 de junho o site de notícias do Senado divulgou uma matéria com análise abrangente sobre as consequências das mudanças climáticas, especialmente sobre as pessoas com maior vulnerabilidade econômica e social, que são as mais afetadas de imediato e também as que têm menores – ou nenhuma – chances de retomar sua rotina (leia notícia completa aqui).
Na referida publicação, as pessoas com deficiência são um dos públicos vulneráveis considerados com maior necessidade de atenção, tanto no momento do socorro e da tragédia, quanto nas políticas e medidas de acessibilidade no atendimento emergencial e na reconstrução de suas vidas pós-tragédias.
Reproduzimos a seguir o trecho específicos sobre as pessoas com deficiência, e a entrevista com a socióloga Marta Gil.
Mais vulneráveis
Quando se pensa em vulnerabilidade, é preciso ter um olhar mais diferenciado e prioritário para grupos como idosos, pessoas com deficiência, gestantes ou puérperas, crianças e adolescentes, entre outros, que diante da falta de planejamento das ações de resgate, muitas vezes têm o risco de morte acentuado pelos eventos catastróficos.
Enchentes, como as que devastaram parte das cidades do Rio Grande do Sul, mostraram as dificuldades para o resgate desses grupos. Somente nos 864 abrigos provisórios no Rio Grande do Sul havia na quinta-feira (6) 67,1 mil pessoas acolhidas, das quais 14,6 mil eram crianças e adolescentes, 2 mil pessoas com deficiência e 7,2 mil idosos.
O estado tem a maior proporção de idosos (65 anos ou mais) no Brasil: 14,1% de sua população de 10,8 milhões de habitantes. Fato é que entre os 172 mortos, muitos já estavam na terceira idade, caso da nonagenária Olandina Anna Bartz, cadeirante, encontrada morta por afogamento, no início do mês de maio, em sua casa na Candelária (RS). Assim como ela, outras pessoas em situação de vulnerabilidade não foram socorridas a tempo.
São muitos os fatores que fragilizam esses grupos. No caso dos idosos, por exemplo, enfermidades, declínio da capacidade funcional, acidentes sofridos ao longo dos anos, entre outros, diminuem as chances de fuga em situações de desastres sem que haja a ajuda adequada.
A socióloga, fundadora e coordenadora executiva do Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas, Marta Gil, afirma que, apesar de o Brasil ter uma das melhores legislações do mundo para as pessoas com deficiência, colocar em prática os direitos garantidos tem sido muito desafiador.
Ratificada com status de emenda constitucional no Brasil, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da Organização das Nações Unidas (ONU), estabelece, em seu artigo 11, que em situações de risco e emergências humanitárias, cabe ao Estado tomar todas as medidas necessárias para assegurar a proteção e a segurança das pessoas com deficiência que se encontrarem em situações de risco, inclusive situações de emergências humanitárias e ocorrência de desastres naturais. Da mesma forma, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI – Lei 13.146, de 2015) confirma o dever do poder público de adotar medidas para proteção e segurança dessas pessoas.
Mas não é assim que as coisas funcionam. Marta lembra que em muitos lugares nos municípios alagados do Rio Grande do Sul onde os barcos passavam fazendo a comunicação por megafones, as pessoas surdas, que estavam sozinhas dentro de casa, não tinham como ouvir os chamados para oferta de socorro.
— Se esse surdo não tem alguém perto dele — porque muitas famílias se perderam — ele ficou completamente vulnerabilizado. Sem entender, sem saber onde ir, enfim, sem poder tomar nenhuma providência. E aí, cada tipo de deficiência vai tendo as suas questões. Muitas vezes as pessoas se resgatavam. Os voluntários, mas sem nenhum treinamento. E isso foi uma coisa séria. Então, você pega a pessoa, mas ela usa cadeira de roda. E se a cadeira de roda não vai, como é que vai fazer? Um cego, ele precisa ir com a bengala. Se ele tiver o cão-guia, ele e a bengala e o cão-guia. É um kit. Não dá pra ir sem. Essas já são pessoas muito invisíveis e, nessas horas, ficam mais invisibilizadas ainda e mais vulneráveis — diz Marta.
O mapeamento prévio pelo Estado da localização de pessoas com vulnerabilidades ajudaria a salvar vidas em situações como a das enchentes do Rio Grande do Sul, segundo Marta.
— São muitos desafios. E nenhum planejamento para resgate. Até onde eu sei, não há políticas, não tem medidas, não pensaram nisso.
Em sessão temática no Senado, o secretário nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Bruno Renato Teixeira disse que o governo está trabalhando com um protocolo para atendimento das pessoas em situação de catástrofes naturais.
— Esse protocolo visa garantir de maneira imediata a articulação dos agentes públicos, seja das prefeituras, seja do governo do estado e do sistema de Justiça, na adoção de procedimentos que garantam o atendimento às pessoas em situação de maior vulnerabilidade, em especial crianças e adolescentes, idosos, gestantes, pessoas com deficiência, pessoas que estão em privação de liberdade, a população LGBTQIA+, a população em situação de rua — afirmou.